Coração de Poeta (As Musas)

À Cláudio Manuel, poeta inconfidente

No peito aflito o coração dolente
De angústias cheio o triste coração
O coração do poeta às musas grato
As musas que’o fizeram desgraçado!

Grato à Marília, musa de Bocage
E’a, de Jorge de Lima, Mira-Celi
Grato a Camões da morta Inês de Castro
Grato à Beatriz, Dulcinea del Toboso.

Brancaflor, jaz, em hostes celestiais
Ao som de rumba, jazz, a musa errante
Tão perto, não importa o quão distante!

Também pudera! Pois, se, então, duvidas
Reparas, ó mortal, na chaga viva
Que’o vil amor abriu no peito amante.

Mas ninguém doma um coração de poeta!

Solilóquio de um Louco

não sei quando é noite ou quando é dia
Se teu semblante é sonho ou fantasia
Sem contar o tormento de não ver-te
O avio em te lembrar minh’alma alcança.

Mas ah engano meu, tu me atropelas
Côa tua ingrata, pérfida inconstância
Ao ver, pois, no teu nio o meu destino
Ninguém de amor se fie: é desatino.

Preso à meria do prazer perdido
Disperso em minhas doidas esperanças
No mais, até de mim ando esquecido.

A apagar os incêndios da loucura
Por ti, Amor, ardendo e delirando
No prêmio dos marrios me despeço,

Dizendo um não sei quê, que não se entende.

Carrego Comigo

Trago guardado num canto recôndito
Um canto, pois, que a minha voz derrama
Neste pranto, estes ais, com que suspiro
Na chama inexovel da saudade.

Este canto, este som, que vem de dentro
Dos meus gemidos, grimas e amores;
Minh’alma quer lutar côs desenganos
Isto faz da minh’alma puro canto.

Alma minha cruel, que te partiste
Ó Musa que mantém minh’alma presa
Oh, alma da minh’alma, a ingrata, a bela!

Meu canto sufocado em contracantos
Que as vozes de alegria em ais convertem
Ó, doce lira, cesse os versos tristes.

Meu canto não vale um sero conto.

Exéquias

De joelhos aos teus pés, oh doce infanta
Trago-te queixa, solidão e pranto
Ao som de samba, rumba e jazz, no entanto
Não mais invocarei-te ó musa errante.

Imaginei-me bom, culpado sendo
Sem ser amado, fui feliz amante
Daquela cujo nome habita as hostes
celestiais, mas sem nome aqui jamais.

Tão longe de ti estou, e estou tão perto
Tão perto, não importa o quão distante
Porquanto o céu e a terra não se explicam.

A vida inteira pra esquecer-te, ingrata
Minha amada hoje entre hostes celestiais
Ausente do meu mundo a cada instante.

Convite

Custa-me pensar
Que o convite que não fiz
Nem irei fazer
Você pudesse aceitar.

Conversaríamos num bar
Ou num café, quem sabe?
A tarde talvez fosse azul
Não houvesse tantos desejos.

Riríamos… sorrisos amigáveis
Seríamos agradáveis
Um com o outro.

(Em vez da indelicadeza
Desatenção
E da falta de educação)

– Melhor não termos motivos
Para arrependimentos.

Brancaflor-Cantiga de Escárnio

Se todo poeta cantasse o amor
Não existiria lugar pro desamor,
A ironia, o sarcasmo e o meu furor
Nas ‘cantigas de escárnio’, Brancaflor.

Entrego o dorso nu, oh deusa Helena
Nesta hora que me’é contrária à disputa
Brancaflor, minha musa virou diva:
Ó rima pobre, grave, externa e obscena.

Brancaflor, minha musa virou diva:
Vaca profana de tetas leiteiras
Derrama o leite ruim na minha peia.

Brancaflor, minha musa virou diva:
Cachorra popozuda, aventureira
Sobe, desce e rebola em minha peia.

Brancaflor-Canção de Maldizer

Se todo poeta cantasse o amor
Aí, quem me dera’eu fosse o seu cantor
Pra versar como versa um trovador
‘Canção de maldizer‘ pra Brancaflor.

Se você for minha estrela, um cometa
Em fogos e explosões, quisera’eu tê-la
No palco céu em que estrela, o capeta
Brancaflor, põe mesas à luz de velas.

Mas você não quis me ouvir, Brancaflor
Bailou tanto o corpinho bibe
Que atraiu seu novo amor gigo.

Entrego o dorso nu à deusa Helena
Nesta hora que me’é contrária à disputa
Brancaflor, minha musa virou Diva.

Não quero mais dançar seu pas de deux
Brancaflor, não canto mais pra você.

Brancaflor-Cantiga de Amor

Se todo poeta cantasse o amor
Ai, quem me dera’eu fosse’o seu cantor
Pra versar como versa um trovador
Nas ‘cantigas de amor‘, ó Brancaflor.

Se você for minha estrela, um cometa
Em fogos e explosões, quisera’eu tê-la
No palco céu em que estrelar, capeta
Ó Brancaflor, põe mesa à luz de velas.

Entrego o dorso nu, ó Brancaflor
A sua atrocidade – tange a lira
Retesada – oh, musa, chore comigo!

Tristeza de guardar este segredo
Não contar pra ninguém, ó Brancaflor.
Vo não pode ouvir meu canto triste?

Na Balança (In truitina)

(Decassílabos de Carmina Burana)

Ó fortuna, como a lua, és mutável,
Ora tu cresces, ora diminuis;
Detestável vida ora clareia ora
Escurece por brincadeira a mente.

Ó sorte, és monstruosa e vazia, oh!
Tu – roda volúvel – és má; vã é
A felicidade tão dissolúvel
E nebulosa, que a mim contagias.

Dia, noite e tudo me são contrários.
Teu belo rosto me faz versar mil
Prantos, oh!, tens o coração de gelo.

Serei ressuscitado por um beijo?
Na balança os sentimentos oscilam,
Amor lascivo e pudor, um contra o’outro.

Serenata Sintética

(Meu canto não tem nada a ver com a lua – Caetano)

Salve, ó Lua cândida, atrás dos altos
Montes eternamente noctâmbula
Salve! Salve! ó astro fúlgido, que brilhas
Docemente pela noite de minh’alma.

Meiga lua, linda, recatada e do mar
Os teus segredos onde os deixaste ficar?
Nem tão doirada e crua te levantes, ó lua
Mas venhas triste e nua do prateado véu.

Quantos caminhos até chegar a um beijo teu
Que solidão errante até tua companhia
Rua torta, lua morta, tua porta.

Sinto que nós somos noite, apesar da lua
Que tateamos no escuro dentro da noite veloz
E nas cinzas das horas nos dissolvemos.