A Cinza das Horas

E dessas horas ardentes ficou esta cinza fria – Manuel Bandeira

Passar aflito o dia, o mês e o ano
Traidoras horas de enganoso encanto
(Parece a que a dor as faz pesadas!)
Que o tempo que se vai não torna mais.

A vida ao mau destino es sujeita
Que talho o meu pesar em decassílabos:
Da alegria e prazer breves ufanos
Da paixão e do amor mágoa infinita.

Bárbaro tempo! horror da humanidade!
Lembranças que se perdem da memória
Quão raríssimas horas de alegria.

Meu peito infeccionou côa vil torpeza
Da ingrata condição, senil, volátil;
O tempo a me soprar fervor humano.

A lembrar-me (ai de mim!) da mortal hora.

Serenata Sintética

(Meu canto não tem nada a ver com a lua – Caetano)

Salve, ó Lua cândida, atrás dos altos
Montes eternamente noctâmbula
Salve! Salve! ó astro fúlgido, que brilhas
Docemente pela noite de minh’alma.

Meiga lua, linda, recatada e do mar
Os teus segredos onde os deixaste ficar?
Nem tão doirada e crua te levantes, ó lua
Mas venhas triste e nua do prateado véu.

Quantos caminhos até chegar a um beijo teu
Que solidão errante até tua companhia
Rua torta, lua morta, tua porta.

Sinto que nós somos noite, apesar da lua
Que tateamos no escuro dentro da noite veloz
E nas cinzas das horas nos dissolvemos.