Não Pergunte o Nome Dela

“Não, não pergunte o nome dela! Nunca me perdoarei por não sabê-lo.Vou logo avisando, hein, doutora: não sei direito o que aconteceu. Já contei essa estória para outras mulheres; e, cada vez, minha cabeça fica mais confusa, e dói. As perguntas me aborrecem muito; para elas, tenho apenas respostas vagas, produtos da minha imaginação ou lirismo. Ela esteve diante dos meus olhos, sim, tão real, que pude tocar seu corpo; sentir seu cheiro, seus espasmos; ouvir seu gozo. Qual era mesmo aquele nome? Luciene!? Marilena!? Não sei… Talvez nem tenha sido ela; mas, e a gata? e o canto? O que posso afirmar é que ainda a procuro, diariamente. Estou cada vez mais confuso, e a minha cabeça dói. Sei que pode parecer fantástico, irreal. Mas não estou mentindo, eu juro!”.

Praia de Copacabana, alta madrugada. Totalmente largado, bêbado, deitado na areia, o sono não chegava. As ondas, uma após as outras, ora furiosas, ora mansamente, quebrando na praia, atordoavam ainda mais minha cabeça. Entre elas, para meu alívio, um profundo silêncio…e ondas… e ondas… mais ondas; mas, de repente, um canto. Vinha, não sabia de onde, com o vento brando e frio que soprava do mar. Era mavioso, feminino e sedutor. Suave melodia ao pé do ouvido, me cativava, atraía e hipnotizava mais e mais. Levantei-me, céu de poucas estrelas. Sob meus pés descalços a praia estendia-se levemente dourada. Uma garrafa de plástico vazia rolava na areia em contato com as ondas. Pernas, olhos e ouvidos me conduziam sem rumo pelo imenso areal.

“Aquele canto não sai da minha cabeça. Ah, que voz! PARE! Por favor, não segure essa gata. Ela pode arranhar você. É mansa, mas não gosta de estranhos, não. Estranha gata: não gosta de muito carinho; muito menos de peixe. Acho que é a única gata do mundo que gosta de água; da água salgada do mar. Parece que gostou de você… Gosto dela também… Para mim, ela é como um presente; uma lembrança de algo que me aconteceu. Estou admirado de vê-la assim, lambendo os seus dedos. Parece que já se conhecem… Passei toda a noite acordado, insone, andando pelo apartamento, a gata atrás de mim. Então saí para dar uma caminhada. Há meses que não via um céu tão estrelado e uma lua tão linda. Você tem uma tatuagem no ombro? É uma Lua?”.

Entrei na água até os joelhos. O canto me puxava mar adentro com uma força irresistível. Amanhecia, e uma neblina matinal levantava-se pouco além da arrebentação. Meus olhos buscavam nas brumas, sobre as ondas, um ponto, um barco, uma luz qualquer na imensidão. À medida que procurava, ia afastando-me da margem; e o canto tornava-se mais intenso. Ocorreu-me, então, que ele vinha das Cagarras. A ideia me seduzia: “nadar até as Cagarras”; “nadar, nadar, nadar”; “nadar até ela, princesinha do mar, silhueta delgada ajeitando os longos cabelos, que flutuavam ao vento”. Ouvi vozes. Ouvi gritos. Fui agarrado pelos braços por alguns pescadores e tirado do mar com muito esforço. Disseram que estava afogando-me, os olhos arregalados.

“Por favor, doutora, tenha paciência comigo. É a primeira vez que procuro ajuda. Não sei bem… Só não tive mais sossego. Tenho insônia, febre, suores noturnos, e, quando durmo, pesadelos. Acordo no meio da noite. Grito. Tento chamá-la. Como? Não sei o nome dela. Onde anda? Com quem está? Em que cama está? Não importa… Então corro para a praia. O mar exerce sobre mim estranhos poderes. Primeiro, fico sentado na areia esperando, isto é, atento a um sinal, um aviso, sei lá… Depois, procuro nas boates (Barbarella, Cicillione, ByNight), na porta dos hotéis. Procuro uma garota de olhos negros, o rosto moreno e rosado, cabelos pretos, lábios desdenhosos, sorriso provocador, que tem uma lua tatuada nas costas. Uma garota que mudou a minha vida completamente…”.

Quando me refiz voltei à praia. O dia estava claro, o mar calmo, com a temperatura amena. Os banhistas, deitados, pegando sol, não arriscavam um mergulho. Sentia uma sensação estranha, o peito apertado. Andei um longo percurso; mergulhei e procurei; procurei e chorei; desisti. Braços e corpo cansado estirado na areia, fui arranhado por uma gata. Estava com o pelo molhado. Enxotei-a. Joguei areia, lata de refrigerante. E nada, nenhum espanto. Seus olhos, uns grandes olhos mansos e negros, me fitavam. Deixei. A gatinha se chegou lambendo meus dedos, muito chamego. Eu, sentado na areia, olhos tristes molhados perdidos no mar. Ela, brincando, carinhosa e delicada, se enroscando em minhas pernas, o pelo negro e macio. Deixei.

“Desculpe, falei tanto, nem deixei você falar. Fiquei todo o tempo contando, contando. Parece história de pescador, né? Deixe um pouco essa gata! Chegue mais perto de mim. Dê-me sua mão; são finas e delicadas. Seus cabelos; como são longos os seus cabelos. Que perfume gostoso é esse, hein? Quase não reparei você, perdão; mil perdões; mil e um; você riu. Você é bonita, tão bonita, tão bonita. Seus olhos parecem tristes como os meus, sabe? Como você se chama? Por que ficou rindo? Boba. Não quer dizer, não? Você está com a roupa molhada. Pode fazer mal. Estava nadando a essa hora? Não tem medo, não? O que você faz aqui na praia? Frequenta a noite? Pode dizer? Não quer falar, não? Fale! Venha mais para cá. Está com o corpo gelado, precisa de calor…”.

O sol quente, entrando pela janela. Abri os olhos e a cama estava vazia. Liguei para a portaria; mas ninguém viu uma garota saindo com uma gata a tiracolo. Tomei uma ducha, pedi um café e procurei manter a calma. Paguei a conta do hotel e desci para a praia. Caminhei até o Leme, e nada. Nenhuma pista. Nenhum sinal. Ela e a gata simplesmente haviam desaparecido… “Quis chamá-la. Mas, como? Não sabia o nome dela. Sei que pode parecer fantástico, irreal. Mas então me diga, doutora: e essa doença maldita? Essas manchas em minha pele? E meu corpo debilitado? Essa dor forte em minha cabeça? E, agora, o que vai ser de mim? Por favor, deixe-me em paz. Não pergunte mais nada. Eu não sei sequer o nome dela…”

 

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